Processos em todo o país mostram que, desesperadas, pessoas perderam tudo e
passaram fome para receber graças prometidas
Com o salmo de Malaquias — “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro” — como centro de sua pregação, a Igreja Universal do Reino de Deus parece ignorar a oração de Mateus — “perdoai as nossas dívidas, assim como temos perdoado os nossos devedores”.É o que demonstram processos que se espalham pelo país de fiéis que reclamam a devolução de suas doações. Com base no artigo 548 do Código Civil (“É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador”), a Justiça vem anulando contratos de fiéis que beneficiaram a Iurd.
Foi assim que o Juizado Especial de Samambaia, Distrito Federal, anulou a doação feita pela dona de casa Lívia Inácia de Andrade.Mãe de uma criança portadora de necessidades especiais e vítima de violência doméstica, Lívia abandonou o marido depois que ele tentou matála.Desesperada, buscou ajuda na Igreja Universal. Torrou o único patrimônio, um Fiat Uno, na “fogueira santa” da Iurd, evento em que os fiéis se dispõem a se desfazer de tudo o que têm:
— O pastor garantiu que, se houvesse necessidade, a igreja devolveria. Quando pedi a devolução, disse que eu tinha doado a Jesus, e que era para eu cobrar de Deus a graça não recebida.Eu pedia a cura do meu filho.
Iurd manteve doação alegando que fiel não teve fé
Segundo a sentença, a Universal tinha que devolver o carro ou o valor em dinheiro em 48 horas, mas o caso está há dois anos aguardando recurso.
— Argumentamos com base em duas situações. No momento em que doou o carro, ela estava em profundo estado de depressão, incapaz de ter consciência de seus atos, e também com base na falta de reservas para sua subsistência. Mas o juiz achou que o estado emocional dela não estava devidamente comprovado e anulou com base na falta de recursos mínimos para sobreviver — explicou o defensor público José de Almeida.
Ele afirma que o direito de anular a doação nesses casos é certo, mas diz que a dificuldade está em provar o valor apurado.Ele defende o caso da costureira e também o da ex-fiel Maria Moreira de Pinho, outra vítima da “fogueira santa”, que conseguiu reaver na Justiça o direito a receber o valor de R$ 10 mil de um cheque doado à igreja. Acreditando que receberia a graça em dobro, ela vendeu dois imóveis e as duas máquinas de costura que usava para trabalhar, entregando à igreja R$ 106.353,11 .
— Apenas os R$ 10 mil foram
Depois de perder em primeira instância, a costureira ganhou o recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo para reaver pelo menos o valor do cheque. A igreja está recorrendo no STJ.
Outra que ganhou o direito de reaver a doação foi a viúva Gilmosa Ferreira dos Santos. Foi à Justiça após descobrir que a filha, Edilene Ferreira dos Santos, abalada pela morte do pai, doara o carro da mãe, um Golf 2005, à Universal. Arrependida, a jovem não conseguiu reaver o veículo.
— Edilene começou a frequentar a igreja após a morte do pai. Doou os móveis de casa e depois o carro da mãe. Quando a viúva tentou reaver o carro, foi agredida e exposta à humilhação na igreja — disse o advogado Nilton Cardoso das Neves.
O juiz da 7aVara Cível de Goiânia determinou que o veículo seja restituído e que sejam pagos valores referentes a lucros cessantes, depreciação e desgastes do carro, bem como reparação de R$ 10 mil por danos morais.
Porteiro chegou a ser interditado pela família
Alguns casos estão sendo investigados na ação penal movida pelo MP de São Paulo contra o bispo Edir Macedo, presidente e fundador da Iurd, e mais nove membros da igreja, que tramita na 9ª Vara Criminal da capital paulista. Entre eles, o caso do porteiro aposentado Edson Luiz de Melo, de 45 anos, ex-fiel da igreja
O advogado Arthur Lavigne, que defende o fundador da Universal, Edir Macedo, em nove outros integrantes da cúpula da igreja na ação penal que corre