Jornal do Brasil Site: Jornal do Brasil
Data: Quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Hora: 23h23
Seção: País
Autor: Maria Clara Bingemer
Fonte: ___
Fotos: ___
De volta!
19/01/2012
Lembro-me quando, em 1980, havia comoção na sociedade e na Igreja brasileiras com a expulsão do padre Vito Miracapillo, impedido de continuar no Brasil e forçado a voltar à Itália, país onde nasceu e onde respondeu à sua vocação sacerdotal. Recordo-me bem igualmente do motivo: a recusa em celebrar missa no dia 7 de Setembro pela independência do Brasil.

Padre Vito Miracapillo declarou não poder celebrar a missa, pois o país não era independente e, portanto, não se podia envolver a celebração da Eucaristia em algo que era, na verdade, uma farsa. A missa, uma celebração de ação de graças pela Independência do Brasil – prevista para acontecer no dia 7 de setembro de 1980, às 10 horas, na matriz de Sant’Ana, em Ribeirão, Pernambuco, não foi celebrada.
Para o pároco, diante da importância da data 7 de setembro e da autoridade do Poder Executivo, não celebrar as missas nos horários e condições estabelecidas pelo poder público municipal seria mostrar não apenas a insatisfação com a real situação em que se encontrava a sua comunidade mas, também, a afirmação da liberdade da Igreja e de sua ação pastoral.
Imediatamente, aconteceu a reação indignada dos que a organizavam e a ela compareceriam. O Diário de Pernambuco publicou matéria narrando a indignação gerada pela recusa do padre. E acrescentava uma nota explícita: “O parlamentar, deputado estadual Severino Cavalcanti (PDS), fez um apelo, através da Assembleia Legislativa, ao ministro da Justiça, para que seja apurada a atitude antipatriótica do sacerdote católico e, com base nos artigos do Estatuto dos Estrangeiros, cuja transgressão é punida com a expulsão do país, seja punido este mau sacerdote que está fazendo um péssimo serviço à Igreja, à família e ao Estado, provocando distúrbios da ordem pública em Ribeirão“. O Ministério da Justiça atendeu solícito e diligente à requisição do deputado. Tinha em mãos munição suficiente para tal. A recusa explícita do padre de aceitar as imposições do governo municipal, e ainda uma carta por ele enviada aos poderes Executivo e Legislativo, que serviria de documento probatório e de base fundamental para justificar sua expulsão do país. Nela, o padre Vito explicava que não celebraria a missa “por vários motivos, entre os quais a não efetiva independência do povo, reduzido à condição de pedinte e desamparado em seus direitos“.

Houve várias reações de apoio à expulsão do padre Vito Miracapillo. Muitos se declaravam indignados pelo fato de um estrangeiro que usufruía da hospitalidade brasileira negar-se a comemorar a data cívica mais importante do país, da qual todos os filhos da pátria se orgulhavam.
No entanto, houve igualmente outro tipo de reação: de apoio ao padre. Quem eram esses que se solidarizavam com um estrangeiro rebelde? Pelo menos, indubitavelmente, as mais de 1.500 pessoas, entre elas dois bispos, 52 padres, um grande número de freiras, deputados, advogados, sindicalistas, jornalistas e uma grande quantidade de trabalhadores rurais que no dia 2 de outubro, vindos de todos os pontos do estado, assistiram à celebração de missa em solidariedade ao padre Vito.

Foi o carinho e o suporte desta Igreja e, sobretudo, deste povo, seu povo, que impediram que ao longo de mais de 20 anos padre Vito se esquecesse do Brasil e das comunidades que havia acompanhado, da igreja que havia construído e das lutas em comum que havia travado.

No processo de expulsão, o relatório que tratou de acusar o padre Vito, com base nas testemunhas ouvidas, afirmava que o mesmo não desenvolvera atividades religiosas no período em que esteve na região e, sim, dedicara-se à formação de partidos políticos. Nisto estava padre Vito bem acompanhado. Pois quantas outras grandes figuras da Igreja do Brasil não foram acusadas dos mesmos “crimes”? Recusar-se a reduzir a ação pastoral à sacristia e considerar suas as dores e dificuldades do povo, e assumir com ele a luta para superá-las.
Juntamente com dom Helder, dom Pedro Casaldáliga e tantos outros, o padre Vito Miracapillo não abriu mão de suas convicções e teve que amargar um longo e cruel exílio, longe da terra que amava e havia elegido como sua. E sobretudo longe do povo ao qual desejava entregar o melhor de sua vida.
Como tantos outros banidos do território nacional “num rabo de foguete”, segundo a canção imortalizada por Elis Regina, padre Vito volta agora. Alegre e em paz, declara não guardar rancor de ninguém e recebe visto de permanência no país. A diocese de Palmares tem os braços abertos para acolhê-lo. E espera-se que tenha a boa surpresa de constatar que o país hoje se encontra mais próximo à independência do que há 30 anos.

Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, é autora de 'Simone Weil - A força e a fraqueza do amor' (Ed. Rocco)


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