Tipo de Clipping: WEB
Data: 12/06/2016
Veículo: Extra
RIO - Central do Brasil,hora do rush. Os ponteiros do relógio marcam 17h35m. Nas oito pistas da Avenida Presidente Vargas, o trânsito é lento e ronca pesado, com buzinas e apitos de agentes de trânsito que fazem doer os ouvidos. Alguns minutos de observação são suficientes para constatar a enorme quantidade de bandalhas feitas ali. Na altura da Central, um motorista que saía da pista junto à Praça da República se aborrece, abre a porta do carro, põe o corpo para fora e esbraveja, revoltado: "Para que isso? Que sacanagem!". Na frente dele, um paredão formado por duas filas de carros, parados em cima do cruzamento, impedia não só sua passagem, como a de muitos motoristas que vinham atrás, na tarde da última quarta-feira. Dados do Detran revelam que, em média, somente seis pessoas são multadas por dia na cidade por fechar cruzamentos. Nos últimos cinco anos, os registros dessa infração caíram 59% - passaram de 4.619, em 2011, para 1.903, em 2015. A queda nas estatísticas, no entanto, não reflete o que se vê diariamente nas ruas. Na mesma quarta-feira, por volta das 9h, o desrespeito às normas de trânsito se repetia no quadriculado amarelo pintado no asfalto da Avenida Princesa Isabel com a Atlântica, em Copacabana. Até mesmo dois caminhões da Comlurb cometeram a infração, parando em cima da marcação e bloqueando a passagem dos carros. Os tranca-ruas estão por toda parte e podem ser encontrados a qualquer hora do dia, piorando ainda mais os congestionamentos. Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, a falta de fiscalização contribui para o mau comportamento dos motoristas cariocas. - Não há mais patrulhamento de trânsito, a pé ou motorizado. As pessoas têm certeza da impunidade quando infringem a lei e ninguém faz nada. É uma cidade sem lei de trânsito. Uma desordem total - critica o engenheiro Paulo Cezar Ribeiro, professor da Coppe/UFRJ. O hábito de fechar cruzamentos ficou ainda mais evidente com a entrada em operação do veículo leve sobre trilhos (VLT), semana passada, no Centro. Para evitar acidentes ou bloqueios, controladores de trânsito, conhecidos como "verdinhos", tiveram que ficar a postos em cada esquina, a fim de segurar o tráfego das ruas transversais à Avenida Rio Branco. Além disso, à frente do bonde moderno, batedores de motocicleta abriam caminho. Segundo a CET-Rio, foram colocados 55 agentes ao longo do trajeto entre a Praça Mauá e o Aeroporto Santos Dumont. A contratação de terceirizados para orientar motoristas, no entanto, é alvo de críticas. Especialista em planejamento e operação de sistemas de transportes, o engenheiro José Eugênio Leal, professor da PUC-Rio, afirma que os "verdinhos" são despreparados e que sua ação é limitada, pois apenas agentes da Guarda Municipal e da PM podem aplicar multas. - A prefeitura fez a opção de controlar o tráfego com terceirizados, que não têm poder de multar, e deixou a Guarda Municipal para a segurança. É um problema sério. Eles não têm autoridade. É óbvio que o carioca tem uma tendência natural à transgressão. A maior parte dos motoristas transgride a lei com a maior cara de pau. Não sei se por comodismo, mas a prefeitura está deixando esse mau comportamento do carioca. Com a entrada em operação do VLT, as consequências poderão ser muito graves - alerta. Para a professora Eva Vider, da Escola Politécnica da UFRJ, além de investir em educação no trânsito, é preciso preparar os agentes de tráfego para que orientem melhor os motoristas: - Aumentar os mecanismosde autuação e cobrança de multas também ajuda. A prefeitura deveria ainda melhorar a sinalização dos cruzamentos. Segundo o artigo 182 do Código de Trânsito Brasileiro, parar "na área de cruzamento de vias, prejudicando a circulação de veículos e pedestres", é uma infração média, punida com multa de R$ 85,13 e quatro pontos na carteira de habilitação. A Secretaria municipal de Transportes informou que, até o mês passado, foram aplicadas este ano 872 multas desse tipo. O número representa apenas 0,06% do total de infrações registradas (1.350.111). A lista é encabeçada por dirigir acima da velocidade permitida (46,63%). Em seguida vêm estacionamento irregular (18,24%) e avanço de sinal (11,29%). Em São Paulo, a aplicação de multas, associada a um sistema de fiscalização rigoroso, tem reduzido o fechamento de cruzamentos, de acordo com o sociólogo Eduardo Biavati, consultor em segurança e educação no trânsito. - No Rio, está faltando estratégia. Há poucas pessoas fiscalizando. A Guarda Municipal tem mil e uma atribuições. Não é que o paulista seja mais educado. Nada disso. O pulo do gato foi que a fiscalização passou a atuar - diz. - Enquanto a gestão municipal não conseguir criar um volume de fiscalização, as pessoas não vão mudar. O engenheiro Horácio Augusto Figueira, consultor de pesquisas de transporte e engenharia de tráfego, afirma que fiscalização e campanhas educativas devem caminhar juntas. Segundo ele, os motoristas de São Paulo passaram a respeitar mais os cruzamentos depois que a prefeitura reforçou essas ações. Com base numa pesquisa feita na capital paulista, Horácio estima que, das 4.416 infrações que, em média, um motorista comete por ano, apenas uma vira multa. O especialista cita ainda outro estudo, em que acompanhou carros aleatoriamente: a conclusão foi que um veículo desrespeita as regras de trânsito mais de dez mil vezes num período de 12 meses. - Bastariam oito minutos para o motorista perder a carteira (se todas as infrações cometidas fossem punidas). São Paulo aplicou cerca de 13 milhões de multas no ano passado. Isso não é nada. Equivale ao total de infrações que acontecem em apenas duas horas de trânsito - destaca. No trânsito carioca, quemtenta respeitar as regras de trânsito sofre pressão para infringir as leis. Na última quarta-feira, vendo que o tráfego estava lento e que o sinal da Presidente Vargas próximo ao Campo de Santana, na pista sentido Candelária, fecharia a qualquer momento, o professor Marcos Almeida, de 54 anos, parou antes da faixa de pedestres para não bloquear o cruzamento. Atrás dele, imediatamente irrompeu uma sinfonia de buzinas. Mas ele estava correto e não se intimidou: - O pessoal fica louco no trânsito, querendo voltar para casa logo. Mas um simples gesto de fechar a rua causa um efeito devastador. Não é bom para ninguém. As pessoas precisam ter mais consciência e ser cautelosas - disse, calmamente, ao volante. Em cruzamentos com ciclovias, como a da Avenida Rio Branco, o desrespeito também acontece. Vira e mexe, há algum veículo parado em cima da pista vermelha. - O que a gente vê é que não existe educação - diz o presidente da Comissão de Legislação de Trânsito da OAB-RJ, Armando de Souza. - Já a fiscalização é bastante precária. Muitas vezes, os "verdinhos", em vez de ajudarem, atrapalham. Eles precisam ser treinados. Quando perceberem que o fluxo está grande e que o sinal vai fechar, poderão perfeitamente se antecipar e parar os motoristas. Compete às autoridades municipais executar aquilo que a norma possibilita. Existem possibilidades jurídicas para solucionar o problema. Ex-secretário municipal deTransportes e atual secretário executivo de Coordenação de Governo, Rafael Picciani reconhece que a fiscalização desse tipo de infração é falha. Segundo ele, além de campanhas educativas, aprefeitura pretende aplicar multas por meio de videomonitoramento, usando as mais de mil câmeras já disponíveis e controladas pelo Centro de Operações. A medida já foi autorizada pelo Conselho Nacional de Trânsito. No entanto, de acordo com Picciani, a prefeitura aguarda uma resposta do Contran sobre um pedido para reduzir o número de placas de sinalização necessárias (alertando motoristas sobre a fiscalização) para começar a multar. O governo teme poluição visual. - Deveríamos ser mais incisivos na fiscalização, mas não temos braços para ser vigilantes o tempo todo. É humanamente impossível ter agentes de trânsito em cada esquina. Temos poucos agentes de trânsito - afirma. |