Tipo de Clipping: WEB
Data: 18/06/2016
Veículo: Extra
SÃO PAULO - Empresas brasileiras com negócios em Angola, terceiro maior parceiro comercial no continente africano — entre 2006 e 2014, a corrente de comércio bilateral cresceu mais de 80%, tendo alcançado no ano passado US$ 2,37 bilhões —, estão tendo dificuldades para receber pagamentos por produtos e serviços, bem como para remeter dólares ao Brasil. Com a forte queda do preço do petróleo nos mercados internacionais (a commodity representa 90% das exportações de Angola), o país ficou sem reservas em dólares para pagar seus compromissos e sem moeda disponível para pagamentos de empresas privadas com o exterior. Apertos semelhantes de liquidez afetam também a Venezuela e, em menor grau, a Rússia, ambos igualmente muito dependentes das exportações de petróleo.
Há uma semana, o empresário Abilio Diniz, presidente do Conselho de Administração da BRF, maior exportadora global de carne de frango, queixava-se de que a companhia está enfrentando problemas para receber pagamentos de Angola.
— Angola está dando default, o país está passando por dificuldades, temos uma grande quantidade de pagamentos a receber, mas estão bloqueados — disse o empresário, sem dar detalhes.
Uma fonte com conhecimento dos problemas enfrentados por Angola disse ao GLOBO que há atrasos generalizados nos pagamentos feitos pelo Estado, embora não se consiga quantificar o tamanho do calote. Segundo a fonte, entre as empresas brasileiras, as construtoras estão sendo bastante prejudicadas:
— E as empresas que recebem em kwanzas (a moeda local) têm muita dificuldade em transferir o dinheiro para fora do país, devido às restrições cambiais.
ODEBRECHT TEM FATURAMENTO DE US$ 600 MILHÕES
Uma empresa de tecnologia da informação brasileira com operação em Angola, que recebe em kwanzas, confirmou ao GLOBO que enfrenta dificuldades para fazer a conversão em dólares e remeter o dinheiro ao Brasil.
— Os bancos estão recebendo uma quantidade muito pequena de dólares e restringem as remessas — disse o representante da empresa, que pediu para não ser identificado.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores informou ter conhecimento de que empresas brasileiras têm enfrentado dificuldades para receber por exportações ou para repatriar recursos de Angola. Segundo o Itamaraty, a embaixada do Brasil em Luanda tem feito gestões junto às autoridades locais, em particular junto ao Banco Nacional de Angola (BNA).
O professor Luiz Brandão, coordenador do Núcleo de Energia e Infraestrutura da Escola de Negócios da PUC-Rio e especialista em economia africana, afirma que, além da queda no preço do petróleo, as exportações do país africano encolheram 50%. Devido a esses fatores, a oferta de dólares em Angola caiu mais de 40%, em 2015.
A BRF disse em nota que não existem bloqueios nos pagamentos das vendas a Angola. Segundo a empresa, todos os valores estão sendo disponibilizados pelos clientes. Mesmo assim, reconhece “que existem algumas restrições à retirada de dinheiro do país”, embora Angola não esteja em default, como disse Abilio. A BRF esclareceu, ainda, que não tem negócios com o governo angolano, somente com empresas privadas.
Entre as construtoras, a Odebrecht tem a maior operação em Angola, onde fatura cerca de US$ 600 milhões e está tocando obras como a Hidrelétrica de Laúca, a maior do país, além de projetos de infraestrutura da futura Refinaria de Lobito. Procurada, a Odebrecht informou, em nota, “que os assuntos relacionados a pagamentos por serviços prestados são objeto de cláusulas de confidencialidade, restritos, portanto, à empresa e seus clientes.”
A Andrade Gutierrez, que toca sete projetos em Angola, segundo informações no site da empresa, disse que não iria comentar. A Petrobras, que tem ativos de óleo e gás no país, e a OAS não responderam aos contatos do GLOBO.
De acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento, a expectativa é que a economia angolana cresça 4,2% este ano, depois de ter se expandido 4,5% no ano passado — o Fundo Monetário Internacional (FMI), no entanto, projeta expansão de 2,5%. Um desempenho muito aquém do que o país cresceu entre 2004 e 2008: 17%, na média, chegando a 23% em 2008. A partir de 2009, explica Brandão, da PUC-Rio, esse quadro mudou, e as taxas de crescimento anual caíram para menos de 5%.
Levantamento do banco sul-africano Standard Bank mostra que a reconstrução de Angola, que saiu de uma guerra civil de 27 anos em 2002, atraiu pelo menos 200 empresas brasileiras. Esse movimento reflete ainda a política externa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), que incentivou a aproximação com países pobres, especialmente da África.
Mas houve críticas ao salto expressivo dos financiamentos do BNDES a empresas brasileiras em Angola sob a administração petista. Passaram de R$ 5 milhões (US$ 1,88 milhão) em 2001 para R$ 8,76 bilhões (US$ 3,3 bilhões) entre 2007 e 2014. O dinheiro foi concedido na modalidade “pós-embarque” de exportações financiadas, em que a empresa recebe o dinheiro no Brasil e realiza serviços no exterior sem obrigação de usar mão de obra nacional.
Hoje, Brasil e Angola têm 40 acordos comerciais assinados no governo Lula. Há dois anos, foi instalado na capital, Luanda, um centro de negócios da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), para estimular o comércio entre os dois países.