Jornal do Brasil Veículo: Jornal do Brasil
Data: Quinta-feira, 19 de junho de 2014
Chico Buarque de Holanda: 70 anos
19/06/2014
Parece mentira que já lá se vão dez anos desde que escrevi no JB a crônica Deus lhe pague, em homenagem aos 60 anos do gênio da música brasileira Chico Buarque de Holanda.

Agora, aqui estamos, novamente, celebrando seus 70 anos. Olho sua foto e lembro de Santo Agostinho, o bispo de Hipona e grande pensador do cristianismo antigo, que dividia as idades do ser humano de acordo com as idades do mundo antigo, indo desde a infantia até a decrepitudo, quando, segundo Coelho Neto, o louro ou o moreno dos cabelos cedem lugar ao branco do luar; e a mobilidade da infância, que deseja o movimento, cede lugar à inércia da velhice, que se aproxima do túmulo, lugar da imobilidade.

Ora, essa tipologia parece totalmente fora de lugar e de propósito quando se pensa e se fala em Chico Buarque. As marcas do rosto ali estão, mas longe de caracterizar decrepitude e decadência. Ao contrário, concedem encanto a mais em um rosto onde os olhos verdes continuam brilhando como dois faróis de gênio e ininterrupta criatividade. O corpo é ágil, e o sorriso, quando acontece, atravessando o bloqueio da timidez, traz de volta a infância alegre e pura escondida por trás das rugas da maturidade.

Quando se faz memória da vida e obra de Chico Buarque, contabilizam-se 50 anos de carreira. Sim, 50 anos, o que significa que Chico era quase menino quando começou a cantar em público. Lembro-me ainda do encanto que espalhou à sua volta ao ser apresentado por Elis Regina no programa O fino da bossa, cantando Pedro Pedreiro. Creio que o mais extraordinário que se percebeu ali foi a capacidade de dizer coisas seríssimas sem grandiloquência nem efeitos especiais. Apenas com seu gênio e sua voz pequena e afinada.

Dali em diante houve muita coisa digna de nota: parcerias com outros grandes compositores, enfrentamento com a ditadura militar, canções com corajoso engajamento político entremeando uma lírica de beleza infinita para dizer o compromisso e as palavras de ordem. Ao mesmo tempo em que cantava a justiça, o imbatível trovador cantou como ninguém o amor e a alma feminina. Suas canções em primeira pessoa no feminino singular ou plural são hoje bastiões para mulheres que lutam por sua identidade e pelo reconhecimento do seu valor em um mundo patriarcal e machista.
O clamor pela justiça e o amor em qualquer declinação ou tom são duas notas dominantes na obra de Chico.
No total, são 502 obras que Chico tem cadastradas, com 930 regravações. Dentre elas, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) destaca Gente humilde, Anos dourados e Retrato em branco e preto como as mais regravadas. E isso confirma as duas vertentes que acima identificamos como marcantes em sua obra: o clamor pela justiça e o amor em qualquer declinação ou tom.

Sim, é justo e necessário falar em declinação quando o homenageado é alguém que domina as palavras e as faz dizer o que deseja: sempre beleza, mesmo quando crítica, ou brado, ou lamento.

Segundo sua assessoria de imprensa, Chico passará o aniversário em Paris, escrevendo seu próximo livro. Com uma trajetória plural e sempre inspirada, os 50 anos de produção de quem hoje faz 70 passam pela música, teatro, cinema, literatura. E é na literatura que o artista ancora a produção que marca os 70 anos.

Enquanto é celebrado por um sem-fim de homenagens, ele deverá permanecer cerca de dois meses em Paris, trabalhando na obra que pretende entregar à editora até setembro, para ser lançada ainda este ano. Quem o conhece diz que Chico é monogâmico em série. A frase é do jornalista mineiro Humberto Werneck, e não poderia ser mais apropriada. Quando escreve, só escreve. Quando compõe, só compõe. E assim mergulha na mais draconiana fidelidade, para depois transitar livremente para outro campo de trabalho. E faz isso sempre acompanhado pela genialidade que Deus lhe deu e que ele generosamente não se cansa de entregar à sua legião de admiradores.

Na ocasião de seus 70 anos, dizemos obrigada a Chico Buarque: por seu talento, sua obstinação em cultivá-lo com carinho e persistência, seu jeito sem arrogância e carinhoso de dizer o que todos sentem, desejam, esperam e des-esperam, mas não sabem dizer tão bem. Queremos agradecer-lhe por ser humano, tão humano com seus defeitos e qualidades. Mas, sobretudo, por ser tão humano que sabe dar voz à experiência humana que é a mais fascinante de toda a criação.

Que venham os próximos 70, Chico! E as mais de mil composições. Nós merecemos, e você também!

* Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga e professora do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de vários livros, como 'Um rosto para Deus' (Ed. Paulus) e 'O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença' (Editora Rocco). - agape@puc- rio.br

Mais sobre Jornal do Brasil
Tipo de Clipping: Web Data: 21/05/2019Veículo: Jornal do Brasil / Caderno de Niterói

Tipo de Clipping: ImpressoData: 12/04/2019Veículo: Jornal do Brasil / Cultura

Tipo de Clipping: WebData: 15/03/2019Veículo: Jornal do Brasil

Tipo de Clipping: Web Data: 12/04/2018 Veículo: Jornal do Brasil

Tipo de Clipping: Web Data: 11/04/2018 Veículo: Jornal do Brasil

Tipo de Clipping: Web Data: 08/04/2018 Veículo: Jornal do Brasil

Tipo de Clipping: Web Data: 29/03/2018 Veículo: Jornal do Brasil

Tipo de clipping: WebData: 18/03/2018Veículo: Jornal do Brasil

Tipo de Clipping: Web Data: 15/03/2018 Veículo: Jornal do Brasil

Tipo de Clipping: Web Data: 13/03/2018 Veículo: Jornal do Brasil

Tipo de Clipping: Web Data: 01/03/2018 Veículo: Jornal do Brasil

Tipo de Clipping: Web Data: 28/02/2018 Veículo: Jornal do Brasil

Telefones:
(21) 3527-1140 e (21) 99479-1447 | Ramais: 2252, 2245, 2270 e 2246
E-mail:
imprensa.comunicar@puc-rio.br