Isto É Dinheiro

Tipo de Clipping: WEB

Data: 20/05/2016

Veículo: IstoÉ Dinheiro

O sofá continua na sala
20/05/2016

Sempre que podia, o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy procurava empregar metáforas para deixar mais claro seu desafio na pasta. No seu repertório, a pífia arrecadação de meados do ano passado virou uma “ressaca” e o ajuste fiscal, um esforço para evitar que o “barco batesse nas pedras.” Àquela época, a previsão oficial era de um superávit de 1,1% do PIB, número já desacreditado no mercado e em vias de ser reduzido.

Ao ser questionado por analistas, Levy desconversava: mudar a meta naquele momento seria “tirar o sofá da sala”, uma referência ao marido traído que acredita ser possível resolver a infidelidade da esposa com a simples remoção do móvel. Levy trabalha hoje em Washington, no Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia está sob o comando de Henrique Meirelles, mas o sofá continua na sala. Trata-se de um rombo nas contas públicas mais profundo e até difícil de calcular, que faz daquela meta de Levy quase uma quimera.

Nas estimativas mais recentes, o País terá um déficit próximo de R$ 150 bilhões neste ano, cerca de 2,5% do PIB, um ponto percentual acima dos R$ 96 bilhões (1,55% do PIB) previstos até então pela equipe da presidente afastada Dilma Rousseff. Há no governo quem estime um rombo até maior, próximo de R$ 200 bilhões. Reverter a trajetória da sangria fiscal é a principal missão de Meirelles. A consequência natural será o resgate da confiança de empresários e consumidores, num desafio semelhante ao de sua estreia em cargos públicos, quando foi chamado pelo recém-eleito presidente Lula para aplacar a desconfiança dos mercados financeiros em relação ao governo de esquerda, em 2003.

À frente do Banco Central, Meirelles era, ao lado de Antonio Palocci (Fazenda), uma espécie de fiador da austeridade, um freio a eventuais aventuras heterodoxas. Para exercer seu papel no comando da equipe econômica, terá a companhia de outro nome de peso, Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, confirmado para a presidência do Banco Central, na terça-feira 17. Os dois contarão com a ajuda de uma equipe refinada de técnicos, considerada um “time dos sonhos” pelos analistas de mercado.

Na Secretaria de Acompanhamento Econômico, o especialista em contas públicas Mansueto de Almeida será o responsável pela análise das despesas federais e a eficiência do Estado, fornecendo dados para fundamentar as principais medidas da Fazenda. O economista acompanha temas orçamentários desde os seus tempos de pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e foi um dos primeiros a identificar traços da contabilidade criativa usada pela equipe de Dilma, como as pedaladas fiscais que justificam o processo de impeachment.

Em debates recentes, Mansueto revelou ideias como a dificuldade de fazer um ajuste fiscal sem precedentes apenas pelo lado da despesa, o que sugeriria a necessidade de um imposto transitório – uma CPMF com alíquotas decrescentes –, a falta de compromisso do Legis-lativo com as contas públicas e a urgência na discussão sobre quais benefícios estatais devem ser mantidos. “Ninguém espera que o governo Temer, que pode ser de pouco mais de dois anos, faça uma agenda de ajuste completo, mas deve começar a encaminhar a solução para o problema fiscal, que é hoje o maior desequilíbrio do País”, afirmou à DINHEIRO dias antes de ser confirmado na equipe.

Outro braço de embasamento das reformas que estão sendo elaboradas na Fazenda é Carlos Hamilton Araújo, secretário de Política Econômica. Ex-diretor do departamento homônimo do Banco Central, era responsável pelos relatórios de inflação e a ata do Copom. Com um bom trânsito no mercado, ele deve ajudar na comunicação com os analistas a respeito das mudanças previstas nos próximos meses. “É uma pessoa estratégica, vai moderar e modular um pouco o Mansueto”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.

Na Fazenda, outro destaque é a indicação de Marcelo Caetano, também oriundo do Ipea, para a secretaria da Previdência, incorporada ao ministério na reconfiguração do presidente Michel Temer. O pesquisador é uma das principais autoridades no tema, com trabalhos publicados na área há pelo menos dez anos. Um trecho de um estudo de 2008 mostra como são antigos os seus alertas sobre a necessidade de uma reforma: “Os gastos previdenciários no Brasil geram ganhos em equidade, mas impõem limitações à melhoria futura do bem-estar, ao resultar em carga tributária e composição dos gastos públicos pouco favoráveis ao crescimento”, escreveu.

“Insistir na manutenção das regras atuais implicará aumento da sua insolvência e corresponderá à rota mais rápida e eficaz para sua decadência.” A expectativa é que uma proposta de reforma seja apresentada pelo novo governo em até 15 dias (leia reportagem aqui). A nova equipe da Fazenda é eminentemente “fiscalista” (especialista em política fiscal) e, por isso, deve facilitar a tarefa do Banco Central com os juros nos próximos meses. No governo Dilma, os gastos públicos eram frequentemente apontados como vilão da inflação e um empecilho para a redução na taxa básica.

Sob o comando de Goldfajn, a expectativa é que a autoridade monetária tenha uma orientação austera, assim como a de Meirelles na era Lula. O economista-chefe do Itaú Unibanco é tido por colegas como um dos profissionais mais preparados para a posição, detentor de um currículo impecável, com destaque na academia, na iniciativa privada e na diretoria do Banco Central. O grupo de Meirelles representa a ala de notáveis de Temer, em meio a um ministério dominado por políticos.

Num cálculo ideal, as indicações para os ministérios devem sustentar uma base suficiente para passar as medidas formuladas pelos economistas de Meirelles. “Se o Temer conseguir pacificar a crise política, há uma boa chance na economia.”, diz Perfeito. O primeiro desafio será aprovar no Congresso a revisão da meta fiscal deste ano – o sofá na sala –, que na ótica “realista” de Meirelles deve ficar próxima de um déficit de R$ 150 bilhões. O adicional da conta inclui o custo de uma renegociação de dívidas com os Estados, iniciada pela equipe de Dilma.

Mais do que uma redução temporária nas parcelas da dívida, os governadores pleiteiam agora uma carência de um ano nos pagamentos. Para mostrar que respeitará demandas do tipo e o tempo político de parlamentares, o ex-presidente do Banco Central vem repetindo à exaustão o seguinte mantra: “vamos devagar que estou com pressa.” O ambiente hostil em Brasília é só um dos agravantes de Meirelles em relação ao que encontrou em 2003. Os riscos daquela época estavam mais restritos à desconfiança do mercado e os efeitos da consequente desvalorização cambial na inflação e nos juros.

Com o risco-país explodindo em mais de 2.000 pontos pelo temor de ideias como um eventual calote da dívida, o dólar saltou de menos de R$ 2,3 para quase R$ 4,0 nas eleições de 2002. Em janeiro do ano seguinte, valia R$ 3,2 (cerca de R$ 5,50 em valores atuais). O temor era de que uma eventual fuga de capitais – as reservas eram insuficientes para conter uma saída em massa – pudesse deflagrar uma crise profunda no País. Embora recém-eleito deputado pelo PSDB, Meirelles passara quase 30 anos no Bank Boston, onde chegou à presidência global, e acabou representando um freio a ideias antigas do PT.

Já no primeiro ano, o banqueiro cumpriu seu papel. Blindado por Lula, resistiu ao fogo-amigo e soube calibrar os juros para um nível suficiente para acalmar o mercado e não exorbitante a ponto de matar a onda positiva que vinha do exterior. Arrefecida a desconfiança inicial, o País voltou aos trilhos e, puxado pelo boom das commodities, chegou a uma situação quase inédita: de crescimento relevante, baixa inflação e equilíbrio externo. Nos anos seguintes, Meirelles conduziu uma redução sustentada dos juros e entregou inflação até abaixo da meta (em 2006), abrindo espaço para um período de crescimento.

“Ele pegou uma onda favorável e soube surfar, prolongando o período positivo”, diz Roberto Simonard, da PUC-RJ. “Agora está pegando a onda de frente. Vamos ver se conseguirá furar.” O mar revolto desta vez combina com um déficit fiscal persistente, dívida pública em crescimento, em meio a uma recessão e uma crise política, num mandato de transição. “O Meirelles entra em momentos parecidos no seguinte sentido: são crises de confiança e ele vem como fiador”, diz Perfeito.

A ideia central é indicar que o problema está sendo resolvido, para gerar confiança e permitir que empresários voltem a investir, consumidores retornem às compras e a economia floresça de novo, remediando a queda nas receitas da União. Tudo somado, a percepção consensual é de que enfrenta um desafio bem maior do que o de 2003. E, ainda que triunfe, deve deixar um legado menos ambicioso do que o conquistado na era Lula, dados o tamanho do problema e o curto espaço de tempo, o que suscita, desde já, uma dúvida: o sofá continuará na sala?

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Meirelles e as cabeças da economia

Chamado pela segunda vez para ser o fiador da credibilidade, ex-presidente do Bank Boston convoca “notáveis” do mercado para a Fazenda

OS DOIS MOMENTOS DO FIADOR:

Meirelles - Presidente do Banco Central 2003

Antonio Palocci (Ministro da Fazenda)Médico e quadro do PT, deixou a Prefeitura de Ribeirão Preto para compor a equipe de Lula em 2003

Joaquim Levy (Secretário do Tesouro)

Engenheiro com formação econômica ortodoxa, voltou à pasta como ministro em 2015 para fazer o ajuste fiscal

Marcos Lisboa (Secretário de Política Econômica)

Formado na UFRJ, foi professor em Stanford (EUA). Tornou-se um dos principais críticos das políticas do PT

Bernard Appy (Secretário-Executivo)

Formado pela USP e pós-graduado na Unicamp, foi assessor do PT no Congresso antes de ir para a Fazenda

Jorge Rachid (Secretário da Receita Federal)

Ingressou em 1986 como auditor-fiscal e chegou a chefiar a fiscalização antes de chegar ao cargo

Meirelles - Ministro da Fazenda 2016

Ilan Goldfajn (Presidente do Banco Central)

Economista-chefe do Itaú Unibanco, foi diretor do BC no governo FHC

Tarcísio de Godoy (Secretário-Executivo)

Servidor de carreira, ocupou o mesmo cargo na gestão de Joaquim Levy, em 2015

Mansueto Almeida (Secret. de Acompan. Econômico)

Especialista em contas públicas, foi um dos críticos da contabilidade criativa

Otávio Ladeira (Secretaria do Tesouro)

Servidor de carreira, assumiu o posto com a entrada de Nelson Barbosa

Carlos Hamiltom Araújo (Secretaria de Política Econômica)

Ex-diretor do BC , trabalhou com Meirelles e tem bom trânsito no mercado

Marcelo Caetano (Secretaria de Previdência)

Pesquisador do Ipea, escreve sobre a reforma da Previdência há dez anos

Jorge Rachid (Secretário da Receita Federal)

Servidor de carreira, ocupou o posto em 2003 e voltou ao cargo na gestão Levy


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