Valor

Tipo de Clipping: WEB

Data: 19/05/2017

Veículo: Valor Econômico

A ciência do olhar
19/05/2017

No começo era Felicidade. Até o dia em que João Moreira Salles, lendo "Um Outro Amor", o segundo volume das memórias de Karl Ove Knausgård, caiu no trecho em que um amigo do escritor norueguês entra em uma floresta na Noruega e "começa a se plasmar à própria paisagem", conta o documentarista, com seu jeito original de falar. O trecho do livro o imppressionou a ponto de alterar o título de seu último filme, mas o crédito pode não ser de Knausgård. João conta o que leu: "A felicidade de estar naquele lugar, naquela floresta, naquele momento, deu a ele [o personagem do livro] a sensação do sublime.  Eu não sei como é no norueguês original, no inglês não é assim, mas na edição brasileira o tradutor usou essa combinação de palavras: 'Era como se ele estivesse no intenso agora'".

Guilherme da Silva Braga, o tradutor do livro da Companhia das Letras, produziu sem saber uma epifania no caçula dos quatro irmãos Moreira Salles. "Opa!, falei. Vou roubar isso", nos diz João, 55 anos, nascido em Washington, mas naturalizado botafoguense. Foi assim que a felicidade dos estudantes franceses de Maio de 68 e de uma viajante à China em em plena Revolução Cultural encontrou sua dimensão precisa e tornou-se "No Intenso Agora", o título enigmático de um filme que recorta episódios marcantes do fim dos anos 60 em alguns lugares do mundo, e no universo particular de uma das famílias mais ricas e reservadas do Brasil.

Mas isso tudo só saberemos no fim de quase duas horas de conversa com João - é assim que o chamam -, no prédio de Ipanema onde ficam a redação da "piauí", a revista de fôlego que criou em 2006, e a VideoFilmes, a produtora que fundou há 30 anos com o irmão cineasta, Walter. A confidência sobre o nome do filme é a última coisa que ele nos conta antes de concordar, gentil, mas claramente constrangido, com uma breve sessão de fotos no deque da produtora e sair, apressado, rumo a um almoço no Jardim Botânico. Não sabíamos com quem e não ousamos perguntar.

Corta!

 Era uma quarta-feira de maio e a entrevista estava marcada para as 10h. O acertado com a assessora Anna Luiza Muller era que João Moreira Salles falaria sobre o novo filme, o jornalismo e a "piauí", a nova sede do Instituto Moreira Salles e o recente Serrapilheira, instituição que fundou em março com a mulher, a linguista e professora da PUC-RJ Branca Vianna, ao doarem R$ 350 milhões para formar um instituto de fomento à ciência - rara boa notícia na desgraceira em que está metido o país. Não falaria sobre o Brasil nem sobre por onde caminha a humanidade. Nada sobre sua vida e a do clã Moreira Salles. Acabou que João ultrapassou os perímetros combinados e falou sobre todas essas coisas - deixando apenas ele e os Moreira Salles de fora. Foi assim que, às 10h, batemos no discreto prédio em Ipanema, a sobriedade da fachada de metal aquecida por um bonito portão de madeira.

O porteiro nos atendeu com amabilidade. "Vocês são os jornalistas, não é? Aguardem um momento", e apontou para o fotógrafo, Leo Pinheiro, que já estava ali e havia acomodado as câmeras na cadeira. Fomos orientados a apertar o botão do terceiro andar do elevador, o da produtora. João nos recebeu com um sorriso e com um "nossa, quanta gente!", que quebrou a tensão. Na sala de reuniões estavam o diretor-presidente do Serrapilheira, Hugo Aguilaniu, seu assessor Rodrigo Fiães e Cristina Caldas, coordenadora de pesquisa científica, discutindo como colocar a nova empreitada de pé. Todos pareciam contentes. Não é comum no Brasil ter a chance de desenhar um instituto de pesquisa que possa financiar trabalhos de matemáticos, químicos e físicos empenhados em nos tornar menos ignorantes. Deve dar uma grande sensação de felicidade.

João nos conduz pelas escadas ao andar de baixo, onde fica a redação da "piauí". Vamos à sala de reuniões, envidraçada pelo lado dos jornalistas e de frente para uma cortina natural, de plantas. Além da mesa há um balcão e, ali, uma garrafa térmica com café, água de coco e água mineral. É tudo do que precisamos. "Dormi pouco. Fui dormir à uma e acordei às três. Estou meio confuso, mas vamos lá", ri.

O motivo da insônia foi a derrota do Botafogo por 2 a 0 para o equatoriano Barcelona de Guayaquil pela Libertadores. O Glorioso, como eles dizem, foi derrotado em casa, no estádio Nilton Santos, e o sujeito ao lado coloca os óculos dourados sobre a mesa e diz que foi lá ver tudo ao vivo. É difícil saber onde João Moreira Salles nasceu, se tem filho, há quantos anos está casado, onde estudou. Mas todo mundo sabe que o homem é botafoguense doente. Em um texto publicado na "piauí" em 2012, ele expõe os motivos de os torcedores do Botafogo (ele incluído) serem "pessimistas convictos" e descreve a tipologia de suspiros que o time desperta em jogo (é muito engraçado)Confessa que, nas horas de maior tensão, vira de costas para o campo. O resultado do dia anterior, ui,ui,ui, pode ser um mau presságio para a entrevista. Só que não.

"Botafogo é pura irracionalidade", diz rindo. E muda de assunto. 

Dez anos atrás, ele fez "Santiago", a história do mordomo culto que serviu a família por décadas, 20 anos só na Casa da Gávea - lugar que Santiago Badariotti Merlo parecia pronunciar com maiúsculas, tamanha a reverência pela mansão dos Moreira Salles  no Rio. Ali João passou a infância e a juventude. Na única sequência colorida, retirada de um vídeo amador, vê-se o pai, o diplomata e banqueiro Walther Moreira Salles na piscina, brincando com o menino Walter. Elisa Margarida Gonçalves, a mãe de Pedro (o copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco), Walter e João, aparece em maiô duas peças e touca de borracha no cabelo. "Minha mãe dizia: 'Santiago faz os mais lindos arranjos de flor que conheço'", ouve-se no documentário de 2006 narrado por Fernando, o mais velho dos irmãos, filho do embaixador com a primeira mulher, Helène Matarazzo.

Ao editar "Santiago", o cineasta sentiu falta de imagens da família. Na ocasião, alguém apareceu com uma caixa com vídeos caseiros. Havia uma única lata de 16 mm. "Era a lata com as imagens da China. Eu sabia da viagem, mas desconhecia as imagens. Achei interessante, elas ficaram na minha cabeça."




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