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Data: Quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Sem Palavras
06/02/2014
O que se pode dizer de um amigo querido que se foi repentinae inesperadamente? De um amigo que era também um mestre. E umirmão. E um pai. Dizer o quê? Que era brilhante? Inspirado?Agudo? Encantador? Trabalhador incansável? Disponivel?

Tudo isso se pode dizer, e muito mais. Mas a verdade éque se fica sem palavras quando a notícia chega, e aquele a quem amamos nãomais pode ouvir-nos. E a cabeça gira, e o ouvido zumbe e a ficha nãocai. E não se acredita. Mas de repente começam a chegar comentáriosde outros e outras que também o amavam. E se conclui tristemente que éverdade.

Assim me senti quando soube da morte do padre João BatistaLibanio, em Curitiba, enquanto pregava um retiro para as irmãs de Sion. Não pude ir ao velório, ao enterro, nada. Só pude chorar aqui onde estou,longe dele e da comunidade de seus amigos, que só agora se constatou quanto égrande, imensa, incontável.

Libanio foi meu primeiro professor de teologia. Enunca deixaram de habitar minha mente e coração aquelas aulas dinâmicas,movimentadas, instigantes, às quais se comparecia com ânsia e se saía com gostode quero mais. Nunca mais deixou de acompanhar-me em toda a minha vida deestudante. E foi o responsável pelo doutorado que acabei fazendo naUniversidade Gregoriana, em Roma. Eu não acreditava na possibilidade: umamulher leiga, mãe de família? Ele escreveu a todos os bispos eprovinciais havidos e por haver, e meses depois lá ia eu com o coração na mão emuita esperança.

Quando ainda era sua aluna, convidou-me a escrever um livroem coautoria. Não acreditei no convite. O famoso professorcompartilhando um livro com uma aluna de graduação? Só Deus sabe o quantoaprendi com aquela parceria. Respeitoso, afável e alegre, ele estimulava ecriticava de maneira sempre construtiva e positiva.

Após o doutorado, compartilhamos muitos trabalhos:assessoria do Intereclesial das Comunidades de Base, grupo de reflexão,cursos. E quando havia encontro, aconteciam as conversas intermináveis,risos e até gargalhadas, pois era irresistível sua verve e incomparável seuhumor.

Libanio querido, sempre achei que você e a morte eramincompatíveis. Com seus mais de 80 anos você era magrinho, ágil, esperto, agitado. Corria todos os dias, nadava mil metros sem secansar, dirigia reuniões. Por que falhou esse coração, meu Deus, quandoainda havia tanto para dar, partilhar? Tanta terra a fecundar, tantoterreno a frutificar?

Creio que a resposta é o amor incomensurável que enchia seucoração. Um dia ele foi exigido mais do que era possível, e resolveuparar e descansar. E aí você nos deixou para repousar nos braços desseDeus que tanto amou e por quem foi tão amado. A Ele você consagrou suavida, e toda ela foi um trabalho ininterrupto que abriu o conhecimento dessemistério de amor e salvação a tantos e a tantas.

Você foi o primeiro de quem ouvi falar em Teologia daLibertação, em opção preferencial pelos pobres, em tudo aquilo que enchianossos corações de fogo e de desejo enquanto estudávamos teologia. E eu o seguiao longo dessa longa e rica vida, sempre fiel a essa opção e a essa teologia.Vai ser difícil a comunidade teológica brasileira viver sem você. Sem suamente clara, sua presença sábia, sua crítica pertinente no momento certo, suainspirada criatividade.

Por outro lado você deixa atrás de si gerações que beberamda sua sabedoria e seus ensinamentos. Jovens que, como eu, cresceram emboa parte porque sentiam que o mestre acreditava neles e nelas. E que,portanto, valia a pena investir e andar para a frente. O bem que você feza todos nós, mestre querido, só agora, na luz que não tem ocaso, deve lhe estarsendo plenamente revelado.

Com você aprendi muitas coisas. E acho que ainda vouaprender, enquanto rumine e revisite tudo aquilo que ficou gravado nos livrose, sobretudo, no coração. Mas creio que o mais importante é que, mais do quecom você, em você, tive a revelação do que é a alegria como dom do EspíritoSanto.

Você, caro mestre, foi certamente a pessoa mais alegre queconheci. E não me refiro apenas àquela alegria que é feita de bom humor,de piadas, de comentários lúcidos e apropriados. Mais do que isso: vocêencarnava aquela alegria de alguém feliz em sua pele e em sua vocação. Aalegria gratuita, por nada provocada e sem causa aparente: alegria com a alegriado outro, com seu sucesso, com sua realização e crescimento. Alegria porque oReino de Deus crescia, os humildes se apropriavam dele e os pobres ouviam aBoa-Nova.

O que peço hoje, enquanto o coração dói com sua ausência, éser contagiada com essa alegria que Ele foi tão pródigo em lhe dar. Estaé a alegria que atravessa triunfante e vitoriosa as tristezas e tribulações davida, pois vem da única fonte que jamais estanca: o coração de Deus. Vocêderramou essa alegria por onde passou, querido amigo, irmão emestre. Agora somos responsáveis e guardiães desse dom que fará oamor avançar e tomar conta do mundo. Obrigada, caríssimo. Einterceda sempre por nós. São essas as únicas palavras que finalmente encontreipara dizer diante do mistério de sua morte. Mas como doem! O consolo éque é dor de parto, dor pascal. Amém.

* Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga e professorado Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de várioslivros como 'Um rosto para Deus' (Ed. Paulus) e 'O mistério e omundo – Paixão por Deus em tempo de descrença' (Editora Rocco). - agape@puc-rio.br

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