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Data: Quinta-feira, 3 de abril de 2014
José de Anchieta: vida e milagre
03/04/2014
O canário de ascendência judaico-cristã nova José de Anchieta nem imaginava que tantos séculos depois de sua passagem pela terra brasilis seria objeto de tamanha atenção por parte da mídia e subiria aos altares como santo. Era bem jovem quando, em Portugal, sentiu o chamado de Deus e entrou na Companhia de Jesus como irmão.

De saúde frágil, sofrendo de espinhela caída, chegou ao Brasil com 20 anos de idade e recebeu do padre Manuel da Nóbrega, que aqui já se encontrava, a incumbência de dar prosseguimento à construção do colégio de São Paulo, no planalto de Piratininga, na qual estava empenhado. Foi a partir deste que Anchieta abriu os caminhos para o sertão e com os índios aprendeu a língua tupi.

Das mãos apostólicas de Anchieta floresceu a cidade que hoje é a mais importante do Brasil. O colégio foi o embrião desta. E Anchieta participou ativamente de sua fundação, em 25 de janeiro de 1554. Deste fato dá testemunho uma carta do missionário, em que diz: “A 25 de janeiro do Ano do Senhor de 1554 celebramos, em paupérrima e estreitíssima casinha, a primeira missa, no dia da conversão do Apóstolo São Paulo, e por isso a ele dedicamos nossa casa!”.

A ação apostólica de Anchieta não consistiu apenas, no entanto, em construir este colégio. É de enorme importância sua atuação junto aos índios, aos quais cuidava não apenas de catequizar como também de defender dos abusos dos colonizadores portugueses, que muitas vezes os brutalizavam, escravizando-os e tomando-lhes as mulheres e filhos.

Hábil interlocutor dos indígenas e mediador de situações espinhosas, Anchieta desempenhou importante papel no preparo do armistício entre os tupinambás de Ubatuba e os tupis, em Iperoig. Intermediou igualmente as negociações entre portugueses e indígenas reunidos na Confederação dos Tamoios, oferecendo-se inclusive como refém dos tamoios, enquanto o padre Manuel da Nóbrega retornava a São Vicente para ultimar as negociações de paz.
Além de apóstolo, estrategista e mediador de conflitos, Anchieta se destacou no campo das letras
Além de apóstolo, estrategista e mediador de conflitos, Anchieta se destacou no campo das letras. Com frequentes viagens ao sertão e a aprendizagem da língua tupi, compôs a primeira gramática desta língua que, na América Portuguesa, foi chamada de “língua geral”, e se tornou o principal instrumento de comunicação entre europeus e nativos.

Além disso, era literato e poeta. Compôs peças de teatro na “língua geral”, encantando os índios com a atividade teatral que lhes servia igualmente de aprendizado. Escrevia com perfeição em português, latim e tupi. Foi em latim que compôs suas duas grandes obras: um poema sobre a Virgem Maria, com mais de 4 mil versos e uma obra sobre os feitos do governador Mem de Sá. Conta a tradição que o poema sobre a Virgem foi escrito primeiramente nas areias da praia de Iperoig, quando era refém dos índios tamoios, e apenas posteriormente passado para o papel.

Anchieta era devoto de Maria, mãe de Jesus, desde muito jovem. Em meio às durezas e dificuldades da vida missionária do Brasil colônia, certamente essa devoção deve tê-lo ajudado a enfrentar vicissitudes e superar obstáculos. Sintomaticamente, o poema à Virgem se dirige à “Stabat Mater”, a Dolorosa, à qual tantas vezes deve ter rezado em sua terra natal, a Mãe das Dores, sofrendo cruelmente pela paixão do Filho. A ela se dirige o Apóstolo do Brasil neste poema, que se tornou um clássico da literatura nacional e celebrizou seu autor como homem de letras.

Morto em Reritiba, aos 63 anos, Anchieta é uma das chaves de explicação do processo fundacional de nosso país. Sua vida rica e fecunda, sua intensa atividade missionária, educacional, literária, são a pedra fundamental sobre a qual se apoia boa parte do que será a matriz da cultura brasileira.

Por isso, aos que se admiram de o papa Francisco tê-lo canonizado sem que se tivesse notícia de um segundo milagre realizado por sua intercessão, a resposta é simples. O milagre é a própria vida deste homem, assim como a de todos os santos. Milagre é ser mortal, finito e contingente e, no entanto, deixar-se totalmente impregnar pela graça de Deus. Milagre é deixar para trás todas as possibilidades de futuro e dedicar a vida à missão de fazer crescer o Reino de Deus em terra que não era a sua. Milagre é amar como filhos a homens e mulheres que nem conhecia e dedicar-se a educá-los, com eles conviver na amizade e na proximidade.

E celebrando e agradecendo esse milagre, pedimos: São José de Anchieta, rogai por nós.

*Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga e professora do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, é autora de vários livros como 'Ser cristão hoje' (Editora Ave Maria) e 'O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença' (Editora Rocco). - agape@puc-rio.br

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