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Data: 24/10/2015

Veículo: Extra

Novo julgamento de italiana decapitada no século XVIII revisa histeria ao misticismo
24/10/2015

RIO - Ninguém gostava da italiana Maria Bertoletti Toldini. Em 1715, ela era uma viúva sem filhos, recém-casada com um sacerdote e empenhada em disputar uma herança com sua antiga família. Os parentes deram o troco. Foram ao juizado da pequena cidade de Brentonico e a acusaram de bruxaria. Ela teria cozinhado um menino de 5 anos e, com seus feitiços, arruinado a lavoura local. Maria foi decapitada e teve o corpo queimado em praça pública. No ano que vem, no entanto, o “julgamento” será revisto pela prefeitura de Brentonico. A iniciativa simbólica, além de recuperar a imagem da italiana, marca um resgate crítico do clima de histeria promovido pela Igreja da Idade Média ao século XVIII.

A Justiça (civil e a eclesiástica) perseguia bígamos, judeus, protestantes e homossexuais. A caça às bruxas, porém, tornou-se uma das mais famosas, porque a sociedade relacionava os temores do misticismo a males como miséria, corrupção e às desigualdades sociais que atingiram a Europa na época.

— A figura do diabo surgiu com força no imaginário da sociedade europeia no fim da Idade Média por causa da crise profunda que marcou o século XIV: um momento de grande crise econômica em que a Europa foi também assolada pela peste negra e por guerras — conta Daniela Bouno Calainho, professora de História da Uerj. — Um medo generalizado tomou conta da população, gerando angústia coletiva, insegurança e instabilidade geral.

O professor Oswaldo Munteal Filho, do Departamento de História da PUC-Rio, destaca a ausência de critérios para que uma pessoa fosse acusada de bruxaria.

— Qualquer um poderia ser bruxo — assinala. — Eu poderia bater numa casa e dizer: “fulano, eu quero uma esmola”. E a pessoa respondia: “Não, vai trabalhar”. No dia seguinte, se minha mulher ou filho morresse ou ficasse doente, eu iria ao ouvidor da cidade e diria que foi jogada uma bruxaria na minha família.
A população se entregava cada vez mais a práticas populares de cura e a “feitiços” amorosos, condenados pela Igreja. Do mendigo ao rei, todos acreditavam no poder superior de objetos como os talismãs.
Autora do livro “Brujas, Magos e Incrédulos en la España del Siglo de Oro” (em tradução livre, “Bruxas, magos e incrédulos na Espanha do século de ouro”), a historiadora María Lara Martínez, da Universidade a Distância de Madrid (Udima), revela que, séculos antes da Inquisição, poções e ervas já eram usadas por pessoas que gostariam de ter alucinações. Diferentes tipos de bruxos circulavam pelo Velho Mundo:
— Alguns eram bruxos profissionais, como magos, adivinhas ou curandeiras — lembra. — À época, a mulher não tinha acesso à universidade. Para praticar a medicina, deveria recorrer à transmissão oral de conhecimento das senhoras para as mais jovens. Geralmente a Inquisição não atuava contra as curandeiras, mas perseguia as “profetas” e “místicas” porque podiam alterar a ordem social. Havia, também, as bruxas perversas, que batiam de porta em porta, tomando poções que sustentavam seus rituais de magia negra.
DO BRASIL PARA LISBOA

Os boatos e delações eram seriamente acolhidos pela Igreja. Havia um registro metódico dos investigados e de seus supostos crimes. Todas as denúncias e julgamentos geraram milhares de documentos que estão armazenados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, Portugal. A versão digitalizada desses papéis está servindo como base para estudos sobre as práticas da Inquisição.

— No processo inquisitorial constavam os depoimentos das testemunhas de acusação, as sessões de inquirição, os comentários dos inquisidores, as sessões de tortura e as sentenças — conta Daniela. — Nenhum indivíduo que caísse nesta malha poderia dizer o que se passava nas prisões. Inclusive muitos eram detidos sem sequer saber a razão.

Os acusados poderiam apresentar provas de sua inocência nos julgamentos e se retratar imediatamente — mesmo que fossem alvo de calúnias — ou se converter ao cristianismo. Mesmo assim, muitos dos julgados conseguiam, no máximo, uma morte que não fosse lenta, o que já era considerado uma vitória.

Nenhum tribunal da Inquisição foi oficialmente instalado no Brasil. No entanto, a Colônia não ficou livre das visitas de inquisidores portugueses. Os episódios mais documentados aconteceram em Pernambuco, Pará, Bahia e Maranhão, entre os séculos XVI e XVIII. O objetivo era investigar possíveis hereges por meio de denúncias feitas pela população.

— Os visitadores colavam nas portas das igrejas uma listagem dos delitos que deviam ser denunciados e confessados — explica Daniela Calainho, da Uerj. — Alguns réus eram enviados para serem presos e julgados em Lisboa. Um processo poderia durar anos até a conclusão.

Para a Inquisição portuguesa, os indivíduos considerados feiticeiros tinham um pacto com o demônio. Assim, atos informais de cura e sortilégios amorosos — como “feitiços” para aproximar amantes ou destruir casamentos — e o uso de amuletos protetores eram práticas que aproximavam a população do diabo. Este julgamento dava trabalho às autoridades, já que a religiosidade colonial era uma mistura de crenças cristãs, indígenas e africanas.

NOVA IMAGEM DOS INOCENTES

Estima-se que, entre os séculos XV e XVIII, mais de 50 mil pessoas foram mortas na Europa sob acusação de feitiçaria. O caso da italiana Maria Bertoletti Toldini ressurgiu em Brentonico após um político local indignar-se com o tom cômico de uma peça sobre a viúva.

— Vivemos uma retomada do tema da Inquisição. Mais pelo lado da história social, a das vítimas, do que pelo de quem torturou — comenta Oswaldo Munteal Filho, da PUC-Rio

A historiadora María Lara Martínez concorda:

— No plano moral, com a defesa dos direitos humanos como bandeira, olhar para o passado mostra que o revisionismo tem efeitos práticos. Estamos recuperando a imagem de pessoas inocentes condenadas à morte na fogueira. Há muito interesse em discutir a mentalidade que, até hoje, sustenta a indicação de bodes expiatórios.


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