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Tipo de Clipping: WEB

Data: 27/06/2015

Veículo: Extra

Ku Klux Klan: o fantasma do ódio racial nos EUA
27/06/2015

RIO - Depois de lutar na guerra entre EUA e Espanha, em 1898, o americano William J. Simmons parecia não achar sentido para a vida. Ele trabalhou como professor, mas foi demitido por ineficiência. Participou de ao menos 12 fraternidades “tradicionalistas”, mas decidiu fundar seu próprio grupo no feriado de Ação de Graças de 1915. Naquela noite, juntou 15 colegas em um ônibus alugado e, no alto de uma montanha a 30 quilômetros de Atlanta, na Geórgia, incendiou uma cruz de madeira. Estava, então, ressuscitado o horror da Ku Klux Klan (KKK), organização que havia existido por poucos anos no Sul do país, logo após a Guerra Civil (1861-1865).
Para historiadores, o Clã, como também era chamado, foi a maior organização terrorista do país, símbolo do ódio racial e da intolerância religiosa, responsável por perseguir e assassinar negros, assim como fiéis de religiões não protestantes. A primeira organização com o nome de Klu Klux Klan atuou de 1865 a 1871, sem muita articulação nacional. Já a segunda “reencarnação”, que começou naquela noite de cem anos atrás, na Georgia, chegou a reunir cinco milhões de adeptos, inclusive na elite política americana. Este grupo, que teria contribuído para a eleição de 12 governadores no início dos anos 1920, acabou nos anos 40. 
Uma terceira geração apareceu em 1946. Hoje execrado pela opinião pública, o grupo sobrevive por meio de diferentes organizações radicais que pregam a supremacia branca, a xenofobia. O ódio que movia seus integrantes também é relembrado em casos como o massacre de nove pessoas na igreja de Charleston, na Carolina do Sul, semana passada. Antes de cometer o crime, o americano Dylann Roof, de 21 anos, publicou em seu site: “Negros são estúpidos e violentos”. E justificou por que escolheu atacar naquela cidade: “É a cidade mais histórica do meu estado, e já teve a maior proporção de negros para brancos no país. Não temos skinheads, nem um KKK de verdade, ninguém falando nada na internet. Bom, alguém precisa ter a coragem de levar isso para o mundo real, e acho que terei que ser eu”.
— A KKK é um movimento que persegue a memória política dos EUA, assim como o nazismo envergonha os alemães — compara Wanderson Flor do Nascimento, professor de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB). — Trata-se de uma mancha que os americanos não conseguem nem devem apagar, porque a existência dessas marcas mostra como os direitos civis precisam ser protegidos.
INSPIRAÇÃO NO CINEMA
Simmons decidiu recriar o grupo após assistir ao filme “O nascimento de uma nação”, de D.W. Griffith, uma narrativa de quase três horas sobre a resistência de homens encapuzados dos estados escravistas do Sul do país contra governantes impostos pelos estados do Norte, vitoriosos na Guerra Civil. A cruz em chamas, que não fazia parte dos ritos da primeira organização, foi uma ideia tirada de uma cena do longa-metragem.
— “O nascimento de uma nação” mostra a ação dos primeiros membros da KKK na luta contra a reconstrução do Sul dos EUA — explica Flávio Limoncic, professor do Departamento de História da UniRio. — Era a formação de uma fraternidade que oferecia um ambiente de segurança em torno da ideia da supremacia branca.
A primeira formação da KKK teve em suas fileiras cerca de 550 mil ressentidos com a aprovação das emendas constitucionais que aboliam a escravidão e proibiam a discriminação racial. No início, o movimento consistia apenas em uma penca de brincadeiras de mau gosto, em que homens com vestes e capuzes brancos cavalgavam por bairros pobres, fingindo ser fantasmas da guerra civil. Depois, suas fileiras foram engrossadas por criminosos, que aproveitavam-se dos capuzes para retaliar iniciativas favoráveis aos negros, como a concessão de terras, a distribuição de renda e a construção de escolas.
— Em sua primeira edição, a Ku Klux Klan era formada principalmente por brancos pobres e temorosos de que os numerosos negros conseguissem eleger representantes para cargos políticos, como os de xerife e prefeito — lembra João Daniel de Almeida, professor do Departamento de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Faculdade Damásio (Clio Internacional). — A única forma de detê-los seria o terrorismo. Poucos anos depois da Guerra Civil, as tropas do Norte enviadas pelo governo federal deixaram o Sul do país, que foi novamente dominado pelos políticos anteriores ao confronto. Foram introduzidos, então, programas semelhantes aos do apartheid. Os negros eram vistos como “iguais, mas diferentes”.
Apesar da vida curta, o primeiro Clã deixou suas sequelas. Mecanismos como ameaças, comprovação de renda e testes de alfabetização afastaram os negros das urnas. Estavam tão controlados que os políticos “não precisavam mais" de um movimento terrorista para garantir a supremacia branca, segundo historiadores.
Em 1915, então, Simmons traçou metas mais ambiciosas. Estendeu o ódio racial à onda de imigrantes que desembarcou nos EUA nas décadas anteriores — estima-se que, entre 1880 e 1924, cerca de 20 milhões de estrangeiros chegaram ao país.
— Foi um grupo paramilitar diferente daquele do século XIX, porque a sociedade americana vivia outro momento. A ideia era que o Clã não deveria se adaptar a novos valores, religiões ou etnias — assinala Marco Antonio Pamplona, professor de História da América da PUC-Rio. — O movimento não se restringia mais aos campos no Sul do país, porque o negro já começava a procurar emprego nos centros urbanos do Norte. 
A lista de inimigos do novo Clã também contava com católicos, judeus, asiáticos e imigrantes. A vigilância moral era outro pilar do movimento. O sexo fora do casamento, a frequência a clubes noturnos e comportamentos considerados escandalosos seriam passíveis de punição. Para entrar no clube do terror, era preciso desembolsar US$ 10. Simmons, que assumiu o posto de “grande mago”, impôs uma hierarquia rígida, em que a ascensão era possível por meio de contribuições financeiras e da participação frequente em atividades terroristas.
— Ao contrário do que ocorreu no século XIX, desta vez a Ku Klux Klan conseguiu se alastrar por todo o país — destaca Nascimento. — Normalmente, os homens eram os participantes. As mulheres tinham um papel secundário: eram as responsáveis pelos preparativos de pequenos eventos, realizados em casas e igrejas. 
Nos anos 1920, o terror branco era tamanho que o grupo transferiu sua sede de Atlanta para Washington. Lá, consolidou sua influência em setores do Partido Republicano — no século anterior, sua parceria era restrita a políticos democratas. Em 1925, a KKK atingiu seu ápice. Contava com cinco milhões de membros e levou 40 mil pessoas a uma marcha até o Monumento a Washington, um dos principais pontos da capital americana. No entanto, os protestos violentos tornaram-se cada vez mais controversos, e uma rixa na cúpula do movimento levou-o ao abismo em 1944.
— Alguns membros da elite da KKK manifestaram simpatia ao nazismo, enquanto o país estava engajado na luta contra Hitler — revela Nascimento. — Não foi uma posição institucional do Clã, mas serviu para enterrá-lo.
ÚLTIMA FASE
Mas o Clã não padeceu por muito tempo. Saiu da sepultura logo depois da Segunda Guerra Mundial e cresceu timidamente, até conseguir maior visibilidade em meados da década de 1960, durante os movimentos que reivindicavam direitos civis para os negros. Ainda assim, restringiu-se a 42 mil seguidores — menos de 1% do que teve em seu auge — e não contou com um forte comando central.
— Esta foi a terceira fase da KKK, e também a mais misteriosa — conta Nascimento. — Havia uma espécie de proibição formal para organizações que tivessem alusões ao clã e a sua estrutura. Então, não se sabe muito sobre a composição interna. 
Se a estrutura formal era pouco conhecida, o mesmo não se pode dizer dos atentados. Um dos mais famosos foi a explosão de uma bomba na cidade de Birmingham, no Alabama, em setembro de 1963. Quatro meninas foram mortas. O FBI identificou o grupo responsável pelo ataque, mas a primeira e única prisão só ocorreu 14 anos depois. A velada conivência institucional só acabou com a Lei dos Direitos Civis, assinada pelo presidente Lyndon Johnson em 1964.
Dylann Roof, no entanto, mostra que o ódio racial não cedeu à caneta do presidente americano. E que ações isoladas como a dele, ou de pequenos grupos, parecem flertar com as bandeiras do Clã.
— Existem dezenas de grupos de supremacistas brancos nos EUA, muitos deles associando-se à tradição da KKK e a grupos neonazistas e de extrema-direita — lamenta Limoncic. — Em sua visão, existiria uma grande conspiração internacional para enfraquecer a América anglo-saxã e protestante e instaurar em seu lugar um país multirracial e multicultural.
O FILME QUE DEU VOZ RACISMO
O filme “O nascimento de uma nação”, de 1915, é considerado a primeira produção moderna da História do cinema americano. Em suas duas horas e 45 minutos de duração, explorou o conflito entre famílias divididas pela Guerra Civil, cercadas de negros fiéis, no lado Sul, e um parlamentar inescrupuloso, representando o Norte. Era uma história mais consistente do que as comédias e melodramas da época. Seu roteiro foi de grande influência para a narrativa do cinema.
O diretor, D.W. Griffith, apostou na edição ágil e em novos enquadramentos, dando origem ao hoje famoso plano americano, em que o personagem é exibido do joelho para cima. O longa faturou mais de US$ 18 milhões.
Griffith ficou pasmo com a adoção do filme como uma obra básica para os integrantes da KKK. Filho de um soldado que lutou nas tropas sulistas, o diretor defendia que contava apenas uma história.
Já Thomas Dixon, autor do livro “The Clansman”, que deu origem ao filme, aproveitou-se da publicidade. Levou o filme a um ex-colega de escola, o presidente Woodrow Wilson, que também se espantou com a produção: “Meu único arrependimento é que tudo isso foi uma verdade terrível”, lamentou Wilson.


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