Tipo de Clipping: WEB
Data: 01/08/2015
Veículo: Extra
RIO — O procurador da Justiça Márcio Mothé, coordenador de Direitos Humanos do Ministério Público estadual, solicitou, na sexta-feira, à 18ª Promotoria de Investigação Penal a abertura de um procedimento para apurar as circunstâncias da morte do ambulante Adílio Cabral dos Santos. Ele foi atropelado por um trem na terça-feira, depois de pular um muro e acessar a linha ferroviária perto da Estação de Madureira. Minutos depois, a SuperVia autorizou que uma composição passasse por cima do corpo, para que o trânsito no ramal não fosse interrompido. Mothé classificou o episódio de “atrocidade contra os direitos humanos”.
— Um homem morreu atropelado após acessar os trilhos dos trens indevidamente, e, antes da remoção de seu corpo, um operador de tráfego fez sinal para que um trem passasse sobre o cadáver. O fato é grave demais. A família da vítima certamente buscará reparação moral dessa tamanha atrocidade contra os direitos humanos — disse Mothé.
Um passageiro filmou o atropelamento autorizado — de acordo com testemunhas, outros dois trens também passaram por cima do corpo — e a divulgação das imagens causaram grande indignação. O antropólogo Roberto DaMatta afirmou que, ao ver a cena pela TV, sentiu vontade de “deixar o planeta”:
— Minha vontade é embarcar em uma nave para Plutão, onde não existe nada, porque esse caso demonstra a perda total da noção de humanidade. Até mesmo inimigos mortalmente feridos em batalhas têm direito a um tratamento digno. Estou horrorizado, é demasiado triste assistir a uma cena dessas. O que será da alma humana? — lamentou o antropólogo.
DaMatta afirmou que “o corpo do homem foi desrespeitado por se tratar de um anônimo, sobre o qual ninguém ali teve qualquer sentimento”:
— Precisamos saber lidar com uma cidade pela qual circulam dez milhões de habitantes diariamente. É necessário respeitar o anônimo.
CRÍTICAS À CONCESSIONÁRIA
Por meio de uma nota, o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Sérgio Magalhães, também repudiou a conduta da SuperVia: “O IAB considera um ato de barbárie. Uma falta de humanidade. Um trágico ápice de uma soma de problemas que inclui estações degradadas e sem acessibilidade, horários irregulares, equipamentos superados e um público atendido em número muito inferior às possibilidades e abrangência da rede”, conclui ele, acrescentando que o fato indica um despreparo inaceitável na operação de um serviço público concedido à empresa há 20 anos.
Estudioso dos conflitos da alma humana, o professor de Cultura Religiosa da PUC-Rio Marco Bonelli disse que o episódio demonstrou total desrespeito à vida:
— Vivemos uma sociedade violenta na qual o ser humano morre, mas o sistema de transporte não pode parar. Mas o tráfego não para quando os chefes de estado passam? Se, para essa sociedade, aquela pessoa viva já não tinha valor, morta é tratada como lixo.