Tipo de Clipping: WEB
Data: 24/05/2017
Veículo: Valor Econômico
Depois das delações do casal de marqueteiros e dos irmãos Batista, está mais do que claro que tamanha corrupção só foi possível graças à pilhagem dos recursos de companhias estatais, bancos públicos e seus fundos de pensão. Conquanto a reforma política seja fundamental, para que o combate à corrupção possa ser bem-sucedido é também imprescindível redimensionar a intervenção estatal na economia. Parte fundamental de tal redimensionamento deverá exigir um processo orçamentário transparente, no qual se possa realmente estabelecer prioridades nas despesas públicas condizentes com o teto orçamentário.
O teto de gastos, a ser complementado pela reforma da previdência, constitui a viga mestra do reordenamento fiscal ora em curso, sem o qual a dívida pública explodirá. Entretanto, há várias outras iniciativas complementares que não podem ser deixadas de lado, sob pena de tornar ainda mais remota a retomada do crescimento.
Uma dessas iniciativas é a mudança da taxa de empréstimos usada pelo BNDES. A TJLP (taxa de juros de longo prazo) seria substituída pela TLP (taxa de longo prazo), como determinado pela medida provisória 7771, atualmente em tramitação no Congresso Nacional. Basicamente, o objetivo é que o BNDES passe a balizar o custo de seus empréstimos por uma taxa que reflita o custo de financiamento do governo federal. Assim, a TLP refletirá a taxa da NTN-B (título do Tesouro Nacional indexado à inflação) de cinco anos, que é a maturidade média dos empréstimos do BNDES.
Há vários benefícios da mudança da TJLP para a TLP. O principal é reduzir o enorme ônus fiscal do subsídio implícito nos empréstimos do BNDES. Além disso, do ponto de vista do reordenamento fiscal, a TLP, por refletir preços de mercado, é de grande valia. Atualmente, o subsídio implícito no reduzido valor da TJLP não é devidamente computado como tal nas contas públicas.
A introdução da TLP, uma taxa de mercado, forçará que eventuais subsídios direcionados sejam contabilizados como despesa primária, aperfeiçoando o processo orçamentário. Em vez de gastos sem maior consequência fiscal, como hoje parecem ser, empréstimos subsidiados de bancos públicos passarão a ter mais transparência, deixando claro aos eleitores que os recursos poderiam ter uso alternativo se canalizados para outras despesas primárias, como escolas, hospitais ou Bolsa Família. Existisse tal transparência, é improvável que o direcionamento de bilhões de dólares à JBS pudesse ter sido realizado tão facilmente.
Acredita-se, também, que o fato de a taxa dos empréstimos do BNDES passar a reagir à política monetária fará com que esta se torne mais potente. O BC não precisaria elevar tanto a taxa Selic para manter a inflação sob controle.
A introdução da TLP se dará de maneira bem gradual, ao longo de cinco anos. Quando começar a existir, em janeiro de 2018, a TLP será igual à TJLP, provavelmente 7%, seu valor atual. Só em 2023 vigorará plenamente a nova TLP. Durante a longa transição, caso avancem as reformas estruturais, a taxa real de juros deve cair, o que exercerá o efeito de reduzir a TLP. Ou seja, não é improvável que a TLP, em 2023, esteja pouco acima do valor atual.
Mas, o que ocorreria em cenários especialmente adversos, como as crises que volta e meia acometem nossa economia? O que se alega é que nesses casos, a TLP tenderia também a se elevar durante as crises, o que poderia desestimular o investimento. Cabe lembrar que a metodologia atual da TJLP também preconiza que tal taxa deva se elevar quando cresce o risco país, mas tal regra não vem sendo obedecida nos últimos anos.
Há que se notar, contudo, que o comportamento de elevação dos juros durante crises é particular de economias de alto risco. Economias "normais" têm queda de juros durante crises, o que funciona como fator mitigador da recessão. Na grande crise financeira internacional, em 2008, o BC, pela primeira vez, teve condições de reduzir a taxa Selic para combater a crise. No entanto, o descalabro fiscal instaurado, na esteira da crise, pela canhestra Nova Matriz Econômica, aliado a uma política monetária equivocada, a partir de 2011, impediu que os juros pudessem voltar a cair durante a recessão iniciada em 2014.
Só com a entrada da nova equipe econômica a Selic pôde, afinal, ser reduzida, sem ameaçar a inflação. Com a superação da atual crise política e o prosseguimento das reformas, espera-se que recuperemos plenamente a capacidade de fazer política monetária anticíclica. Nesse cenário de continuidade das mudanças estruturais da economia brasileira, a TLP deixaria de aumentar durante as crises, como no passado.
O BNDES constitui importante instrumento promotor do desenvolvimento econômico. Nos governos do PT, afastou-se da sua missão e passou a distribuir recursos subsidiados em volumes incompatíveis com o equilíbrio fiscal, sobretudo a grandes empresas, sem que isso impulsionasse o investimento produtivo e o crescimento econômico. Sabemos agora que parte dos recursos também alimentou a corrupção. Na esteira desse enorme dano, a reconstrução do BNDES está em curso e a TLP é peça importante dessa obra.
Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, é professor do departamento de economia da PUC-Rio. Escreve mensalmente neste espaço.